Dando continuidade a Arte de Fazer Sabões, coloco o método para calcular manualmente o peso de hidróxido de sódio ou potássio necessário para elaborarmos sabões artesanais.
Longe das calculadoras online e das demais calculadoras de saponificação disponíveis , podemos fazer esses cálculos manualmente mas, sem termos de imediato uma avaliação sobre o equilíbrio dos fatores que qualificam o sabão como: dureza, espuma com sua persistência, limpeza e condicionamento.
Para estimarmos esses valores temos que nos aprofundar nas composições dos ácidos graxos de cada gordura que iremos utilizar para, após a receita resolvida, somar os percentuais dos ácidos graxos responsáveis por esses mesmos fatores e concluirmos o perfil do sabão que resultará.
Calcularmos manualmente a nossa receita de sabão é muito útil principalmente quando temos uma determinada gordura que queremos incorporar no nosso produto e que não está listada nas calculadoras de saponificação ou, está listada mas, possuindo conforme indicações do site da calculadora, uma composição de ácidos graxos diferente.
Nesse ponto coloco um esclarecimento:
Geralmente, essas gorduras diferenciadas e especiais são colocadas como sobreengorduramento ou SE, dispensando valores de saponificação.
Entretanto existem casos em que essas mesmas gorduras diferenciadas, por possuirem uma composição com percentuais elevados dos ácidos graxos responsáveis por alguns dos fatores relacionados à limpeza, dureza, espuma,etc, quando saponificadas, acabam por potencializar esses índices, diversificando e ampliando as possibilidades de alcançarmos bons resultados nos sabões artesanais.
Método para elaborar um sabão artesanal sem o uso de calculadoras de saponificação:
Como já foi comentado,o processo químico de transformar gorduras em sabão é chamado de saponificação. Basicamente, é uma reação de hidrólise (quebra de moléculas poliméricas – triglicerídeos – na presença de água, formando ânions OH- e cátions H+), usando uma base altamente alcalina (como hidróxido de sódio – NaOH ou hidróxido de potássio – KOH), produzindo sais carboxílicos de sódio ou potássio, e glicerol como subproduto secundário.
Podemos utilizar óleos e gorduras de diversas origens como matéria prima para produção de sabão, além de aditivos que darão a personalidade final ao nosso produto e é nesse aspecto que nossa criação e imaginação se liberta...
1- anotar os índices de saponificação ( SAP) referentes aos óleos e gorduras que pretendemos utilizar( a maioria desses valores, para serem exatos, devem ser fornecidos pelos fabricantes das gorduras ou, em alguns casos, em livros especializados ou artigos científicos disponíveis na internet ).
Normalmente esses índices correspondem ao hidróxido de potássio e nesse caso, é necessário fazer uma correção no final dos cálculos, dividindo o valor encontrado por 1,4025, devido a diferenças no peso molecular dessas substâncias.
1,4025g de KOH = 1g de NaOH
2- definir o peso aproximado que queremos fazer de sabão e com isso, dentre os óleos que temos disponíveis , "alinhavar" a receita, distribuindo pesos para esses óleos.
Aqui ,cabe dizer, que também é necessário estudar a composição dos óleos escolhidos para manter um equilíbrio entre os ácidos graxos e, com isso, elaborarmos um sabão com características adequadas para os nossos interesses.
3- Como estamos falando de sabões para uso cosmético, é interessante termos um sobreengorduramento ou seja uma "sobra" de gorduras, garantindo segurança quanto a possíveis erros nos cálculos da saponificação com relação à base alcalina escolhida (como exemplo: variações na balança utilizada,pequenos erros de apontamentos e/ou pequenas diferenças nos valores de saponificação das gorduras ).
Esse sobreengorduramento, também denominado SE, pode variar, normalmente, de 1% até 15%, contribuindo para o resultado final do sabão conforme os nossos interesses ( sabão para peles oleosas, peles secas, etc) além de contribuir com as propriedades naturais de cada gordura.
4-Podemos escolher duas formas de colocar o SE em nossa receita de sabão:
a-descontar o % de SE que se quer utilizar do peso final do hidróxido de sódio ou potássio calculado ou,
b-acrescentar o % que se quer de SE em óleos e gorduras mantendo o valor do peso de hidróxido de sódio ou potássio calculado.
Outro detalhe importante é deixarmos para colocar os óleos e gorduras mais delicados como o SE do nosso sabão, garantindo uma possível proteção contra os efeitos cáusticos e de aumento de temperatura ocorridos principalmente no início da saponificação, principalmente quando estamos fazendo o sabão no processo frio.
5- finalmente para calcularmos quanto de água destilada precisamos para dissolver a base alcalina calculada para a receita, multiplicamos o peso final dessa base por 2,5 , isso resultará em uma concentração de +/- 28%.
Aqui também vale uma observação:
A concentração de 28% é um valor estipulado por algumas calculadoras de saponificação por ser confiável,ou seja, o peso estipulado pela receita para a base alcalina terá quantidade mais do que suficiente de líquido para ser dissolvida completamente, além de, proporcionar a massa do sabão uma maior fluidez, caso a temperatura ambiente seja alta ou caso se tenha escolhido gorduras saturadas que, como já foi dito em outra postagem, endurecem com maior rapidez.
Com a prática, pela escolha das gorduras colocadas na receita, podemos utilizar um percentual mais elevado ( 35%, por exemplo) mas isso certamente requer uma maior experiência no processo de execução, pois podem ocorrer surpresas, já que alguns ingredientes aceleram o ponto de traço em segundos.
Coloco abaixo um exemplo de uma receita de sabão feita pelo cálculo manual,onde os índices de saponificação foram fornecidos pelos respectivos distribuidores dessas gorduras escolhidas:
óleo de oliva - 240g - índice de saponificação ou SAP = 190 mgKOH/g
óleo de coco - 95g SAP=257 mgKOH/g
óleo de palma orgânico - 40g SAP=199 mgKOH/g
óleo de milho - 35g SAP = 192 mgKOH/g
manteiga karité - 90g SAP= 179 mgKOH/g
calculando após convertermos os valores todos para g:
oliva: 240g x 0.190 = 45,6g de KOH
coco: 95g x 0.257 = 24,41g
palma: 40g x 0.199 = 7,96g
milho: 35g x 0.192 = 6,72g
mant.Karité: 90g x 0.179 = 16,11g
Total peso dos óleos: 500g
Total peso de hidróxido de potássio ( usado para sabões líquidos): 100,8g
Se queremos o peso para fazermos um sabão em barra com hidróxido de sódio, então, teremos que fazer o seguinte cálculo abaixo, relembrando que 1,4025g de KOH equivale a 1g de NaOH:
100,8 : 1,4025 = 71,87g de NaOH, arredondando:
Total peso de soda cáustica: 72g ( para um SE de 0%)
Agora vamos definir o SE, sendo 8%, que é um valor equilibrado para os óleos escolhidos ( entre saturados e insaturados) e também definir o peso da água necessária para elaborarmos a receita:
Pela opção A:
Peso total de soda cáustica com 0% de SE menos 8% desse mesmo peso:
72g -5,76g = 66,24g, arredondando, 66g que é o peso final da soda cáustica que devemos usar nessa receita.
peso total da água necessária em uma concentração de aproximadamente 28%:
66g x 2,5 = 165g de água destilada.
Pela opção B:
peso total dos óleos: 500g + 8% ( 40g) = 540g de peso total de óleos para 8% de SE com 72g de soda cáustica.( nesse caso teremos um peso maior de sabão no final)
peso total da água necessária em uma concentração de aproximadamente 28%:
72g x 2,5 = 180g de água destilada.
Resumindo:
receita sabão, com 28% de concentração, sendo reduzido o peso do NaOH no percentual estipulado para ser o SE- opção A:
óleo de oliva - 240g
óleo de coco - 95g
óleo de palma orgânico - 40g
óleo de milho - 35g
manteiga karité - 90g
Peso total óleos: 500g
Peso total soda cáustica para um SE de 8% : 66g
Peso total água destilada: 165g
receita sabão, com 28% de concentração, sendo aumentado o peso total dos óleos da receita no percentual estipulado de 8% para ser o SE- opção B:
óleo de oliva - 240g
óleo de coco - 95g
óleo de palma orgânico - 40g
óleo de milho - 35g
manteiga karité - 90g
Peso total óleos: 500g
Peso total soda cáustica para um SE de 0%: : 72g
Peso total água destilada: 180g
acréscimo de 8% peso total dos óleos : +40g de um ou mais óleos da receita ou,
40g de algum outro óleo diferenciado.
Em ambos os casos,podemos reservar um ou alguns dos óleos da receita para colocar como SE, sendo assim, como exemplo podemos escolher o óleo de oliva como o SE e prepararmos 40g de extrato oleoso com ervas,etc, deixando para colocar, após iniciar o ponto de traço, e somarmos com isso, qualidades ao nosso sabão, ou então, escolhermos para o SE,o extrato de ervas em óleo de oliva e a manteiga de karité, juntos completando 40g.
Enfim, são inúmeras as possibilidades, inclusive , e nesse caso, válido só para a opção B, podemos colocar uma nova gordura diferenciada com o percentual de SE estipulado, para completar a receita.
Uma outra opção seria mantermos a receita sem destinar óleos expecífico para o SE, deixando acontecer o processo natural da reação de saponificação das gorduras com a soda cáustica e definindo a ação do sabão através, principalmente, dos aditivos colocados.
É importante lembrar que os óleos de coco, babaçu, palmiste, palma entre outros, quando saponificados aportam dureza, limpeza e espuma ao sabão não devendo ser colocados como SE mas, se pelos cálculos dos ácidos graxos, os percentuais obtidos desses óleos já forem mais do que suficientes para alcançar bons resultados, então nesse caso, parte do peso deles pode entrar no SE, acrescentando suas propriedades de umectação e proteção características.
Embora esteja presente nos demais tópicos da série "A Arte de fazer Sabões" que coloco links no final e que esse tópico esteja relacionado diretamente ao estudo da receita do sabão artesanal com seus respectivos cálculos, é sempre bom lembrar que, para fazermos um sabão, seja o mais simples possível, devemos usar o material básico de segurança,relacionado abaixo, pois estamos lidando com bases alcalinas - NaOH e KOH que são altamente corrosivas, podendo causar sérios danos.
MATERIAL DE SEGURANÇA NECESSÁRIO:
.óculos protetor
.luvas de borracha grossa ( adequadas para substâncias corrosivas)
.máscara contra gases e névoa
.roupa adequada que cubra os braços para evitar possíveis respingos
.meias ou sapatos fechados para proteger os pés de possíveis respingos
.ter à mão vinagre ( com a embalagem já aberta) para uso imediato , caso ocorra algum incidente com a soda cáustica ou potassa, lembrando que é muito importante trabalhar em ambiente ventilado.
COLOCAR SEMPRE A SODA/POTASSA NA ÁGUA, NUNCA AO CONTRÁRIO, LENTAMENTE, PARA EVITAR O EFEITO “VULCÃO”.